Artigo de Gabriela Lotta | professora da EAESP-FGV, coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM);
Ergon Cugler | pesquisador da EACH-USP, associado ao Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas (OIPP)
A Constituição Federal de 1988 propôs um modelo de federalismo baseado na autonomia e na interdependência dos entes federativos. São 5.570 municípios, 26 estados e o Distrito Federal, além da União, que, coletivamente, precisam planejar e implementar políticas públicas.
Em um contexto tão diverso e desigual como o brasileiro, historicamente a União tem tido o papel fundamental de induzir e coordenar ações que promovam políticas nacionais e orientem os entes subnacionais em torno de políticas que gerem desenvolvimento, inclusão social e acesso a direitos. Diversas pesquisas mostram como esse papel de coordenador do governo federal é fundamental para reduzir as desigualdades.
No entanto, desde que o presidente Bolsonaro assumiu o governo, com seu lema “Mais Brasil, Menos Brasília”, o que temos visto é uma desestruturação desse cenário de coordenação federativa. Baseado em uma frequente omissão – e muitas vezes oposição –, a União não tem atuado para promover pautas nacionais e tem aberto mão sistematicamente de seu papel de coordenador. Como não existe vácuo de poder, temos visto cada vez mais os entes subnacionais – como estados e municípios – ocupando espaço.
Esse tem sido o caso, por exemplo, na área de educação, onde, na disputa pelo Novo Fundeb, a omissão do Executivo federal transformou o Fórum Nacional de Governadores em um ator central na pressão junto aos movimentos sociais pela aprovação do texto no Congresso Nacional.
Outro exemplo tem sido o enfrentamento à pandemia. A decisão de não divulgar dados sobre a pandemia fez com que o CONASS, Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde, assumisse o papel de compilar e divulgar os dados sobre a doença. Ainda nesta semana vimos outro efeito desse fenômeno: a disputa em torno das vacinas.
A falta de ação da União tem provocado um movimento de “salve-se quem puder”, no qual governadores e prefeitos começaram a solicitar ao governo do estado de São Paulo a aquisição da vacina. Enquanto a corrida segue em disputa, governadores se movimentam para burlar um eventual uso político da Anvisa. O governador de São Paulo, João Doria, passou a criticar abertamente a agência, alegando que ela estaria boicotando a produção da vacina do Butantã. Flávio Dino (MA) entrou com uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal para que estados possam adquirir diretamente vacinas contra o coronavírus autorizadas por agências sanitárias dos Estados Unidos, União Europeia, Japão e China. Os governadores passaram a pautar o debate para a Lei 14.006/2020, com a brecha de que as vacinas poderiam ser usadas sem aprovação da Anvisa (desde que aprovadas por outras quatro agências estrangeiras).
Esses exemplos mostram parte das consequências da ausência de coordenação federativa: deixamos aos estados e municípios a necessidade de articularem, planejarem e implementarem políticas sem uma coordenação nacional sobre seus rumos. Alguns poderiam pensar que as consequências disso são positivas, já que supostamente aumenta a liberdade dos entes subnacionais. Mas a verdade é que o aumento da autonomia sem recursos ou capacidades estatais não gera mais liberdade. Gera, sim, mais desigualdade. Isso é claro no caso das vacinas: estados e municípios com maior capacidade estatal, aprendizagem institucional, recursos ou mesmo maior articulação política passam a ter ainda mais vantagens na aquisição de insumos. E os cidadãos dos estados e municípios mais pobres e com menores capacidades ficarão sem acesso a um direito e sem o atendimento de necessidade essenciais. Além disso, a falta de uma estratégia nacional coloca os entes federativos em uma disputa direta entre si, criando conflitos e uma guerra que não pode produzir resultados positivos no agregado.
Para evitar cenários de aumento de desigualdades e de conflitos entre entes federativos, a União teria um papel central a cumprir: mediar e coordenar as estratégias nacionais, mobilizando esforços para assegurar o necessário para todos os estados, sem deixar nenhum sem vacina. Com a vacina em disputa e o federalismo em desmonte, há quem ainda aposte fichas no tal gripezinha. De olho na reeleição, Bolsonaro segue polarizando com os governadores. O discurso de “Mais Brasil e Menos Brasília” fica cada vez mais evidente: não há mais Brasil, há um conjunto desagregado de entes federativos cada vez mais descoordenados e em conflito, buscando fazer o que for possível em meio a uma pandemia descontrolada e à morte de quase 180 mil pessoas. Enquanto isso, onde está o presidente?
LIDERANÇA E GESTÃO PÚBLICA | QUEM É QUEM
Professores do Máster em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP

Patricia Tavares
Doutora em Administração pela FGV, Visiting Fellow of Practice da Blavatnik School of Government, Universidade de Oxford. Co-fundadora e sócia da Datapedia.info, a maior plataforma de dados sócio-econômicos e eleitorais do país. Consultora e Professora do Insper e do CLP.
Humberto Dantas
Doutor em ciência política pela USP, pesquisador pós-doutorando em administração pública pela FGV-SP. Head de Educação do CLP e coordenador do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Antônio Napole
Administrador de empresas pela FGV-EAESP, bacharel em Rádio TV pela FAAP e mestrando em jornalismo nas Cásper Líbero. Napole é professor do MLG e vice presidente da Kaiser Associates, consultoria de estratégia.
Fernando S. Coelho
Doutor em administração pública pela FGV, professor de gestão pública da EACH-USP. Docente-colaborador do Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Diego Conti
Doutor em administração pela PUC-SP e pela Leuphana Universität Lüneburg (Alemanha) em governança urbana e sustentabilidade. Mestre em administração pela PUC-SP com pesquisa sobre indicadores de sustentabilidade. Consultor internacional, pesquisador e professor de pós-graduação do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE e professor associado do CLP – Liderança Pública.
Denilde Holzhacker
Doutor em ciência política pela USP. Foi visiting scholar no Bentley University, (MA, Estados Unidos). Professora na ESPM-SP e coordenadora do Legislab-ESPM. Integra a rede de professores MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Vinícius Müller
Doutor em História Econômica, colaborador da Revista Digital Estado da Arte, do Estadão, e professor do INSPER e do CLP. Autor de Educação Básica, Financiamento e Autonomia Regional (Ed. Alameda)
Rodrigo Estramanho
Bacharel em Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ESP), Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP. É professor na FESPSP e no MLG, pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP) da PUC/SP e psicanalista membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
Humberto Falcão Martins
Professor da EBAPE/FGV e EAESP/FGV, visiting fellow na London School of Economics. Fundador do Instituto Publix. Foi Secretário de Gestão no Min. do Planejamento, delegado do Brasil no Comitê de Gestão Pública da OCDE e Presidente da Rede de Gestão Pública e Transparência do BID. Bacharel em Administração pela UnB, Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP) e Doutor em Administração pela EBAPE/FGV.
Eduardo Deschamps
Doutor em Engenharia pela UFSC, Professor da Universidade Regional de Blumenau – FURB e do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP. Conselheiro do CEE-SC. Presidente do CNE (2016-2018).
Gabriela Lotta
Doutora em ciência política pela USP, professora de administração pública pela FGV EAESP. Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB/FGV).