Maioria absoluta dos partidos rejeita o projeto que ressuscita as cédulas em papel, mas base bolsonarista mantém viva a campanha contra urna eletrônica em um jogo baixo para minar a legitimidade do processo eleitoral
A votação eletrônica contribuiu enormemente para a legitimidade do processo eleitoral depois da redemocratização. A agilidade na apuração reduz o espaço para manipulações ilícitas e contestações populistas dos resultados das urnas, como os lançados por Donald Trump nas eleições americanas.
Os Estados Unidos são uma democracia consolidada, com mais de dois séculos de história, e ainda assim, viveu dias de ebulição política. Os ataques às instituições democráticas culminaram na invasão do Capitólio.
No Brasil, Jair Bolsonaro e seus seguidores possuem fixação pelo voto impresso. O presidente já afirmou diversas vezes que não haverá eleição no próximo ano caso não sejam usadas cédulas de papel paralelamente às urnas eletrônicas.
É artimanha de um populista desavergonhadamente autoritário. Se o voto impresso for aprovado pelo Congresso, haverá margem de sobra para contestações e fraudes, corroendo a credibilidade de todo o processo eleitoral. Se a eleição for mantida 100% digital, Bolsonaro terá também munição para inflar o País no próximo ano, à maneira de Trump, caso saia derrotado. Dirá que foi vítima de fraude e poderá tentar arregimentar seguidores para um levante.
Defender o voto impresso, portanto, é um jogo perigoso que só interessa aos interesses rasteiros de Bolsonaro. Votos eletrônicos não são isentos de falhas e devem ser aprimorados constantemente, mas não da maneira retrógrada e oportunista defendida pelo presidente.
Em um gesto relevante nesse início de corrida eleitoral, os presidentes de 11 dos maiores partidos do País fecharam questão contra o voto impresso. Em uma reunião virtual (foto acima) no último sábado, 26 de junho, os líderes de PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante decidiram que vão orientar os seus representantes no Congresso para rejeitarem a Proposta de Emenda Constitucional que tramita atualmente na Câmara. Mesmo partidos da base do governo não querem ver essa ideia prosperar. Juntos, esses partidos possuem mais de metade dos votos nas duas Casas, então, mesmo que haja dissidências, é altamente improvável que os defensores das cédulas impressas reúnam os 60% de apoio necessário para passar uma PEC. O projeto nem deverá chegar a ser votado.
Que assim seja. Na opinião do cientista político Jairo Nicolau, um dos maiores especialistas no sistema político brasileiro, a urna eletrônica “foi uma das melhores invenções do sistema político brasileiro”. No tempo do voto de papel, as fraudes eram corriqueiras. Isso acabou. Perdeu força o voto de cabresto. Nunca houve notícias comprovadas de adulteração dos resultados eletrônicos. Mais recentemente, a exigência da identificação biométrica dificultou ainda mais que pessoas votem no lugar de outras.
De acordo com Nicolau, poderia haver uma auditoria independente que, numa pequena amostra de seções, utilizasse o voto impresso. Mas isso apenas com o intuito de averiguar a precisão do sistema eletrônico. A adoção do voto impresso em 100% das urnas teria um custo extremamente elevado (ao redor de R$ 2,5 bilhões), traria desafios operacionais e traria de volta as brechas para fraudes e manipulações. Basta imaginar que a falsificação de votos impressos em algumas poucas zonas eleitorais poderiam colocar todo o resultado em xeque.
A votação eletrônica cumpre um papel louvável há 25 anos. Houve troca de poder e as contestações foram raras. Nunca foi comprovado nada que desabonasse os resultados. Melhor: os brasileiros, em sua avassaladora maioria, confiam no processo digital. De acordo com uma pesquisa do DataFolha realizada no final de dezembro, 73% dos eleitores defenderam a manutenção da urna eletrônica, enquanto apenas 23% disseram que gostariam da volta do voto impresso.
Não será surpresa se houver um aumento do percentual de brasileiros que não confiam no voto eletrônico quando o DataFolha fizer novamente essa pergunta. A máquina de desinformação do Planalto e dos bolsonaristas opera a todo vapor. É mais um desserviço deles à democracia brasileira.
Populistas e governos autoritários utilizam a mesma artimanha: atacar a legitimidade do voto e da vontade popular para justificar sua derrota eleitoral. Foi assim com Trump.